Agora e sempre ...
Era vontade expressa da Senhora Embaixatriz Vera Franco Nogueira, fundadora e Presidente desta Academia, que um livro sobre esta Instituição materializasse o anseio de todos aqueles que nele pudessem reviver o seu passado, ampliar o seu presente e talvez projectar o seu futuro.
Nasceu assim a presente publicação como uma das múltiplas realizações que assinalam o 50.º aniversário da Academia de Música de Santa Cecília.
Não se pretende traçar aqui a história exaustiva desta Escola. Procura-se, sim, dar uma perspectiva da sua originalidade no tempo da sua fundação e da singularidade que sempre manteve desde o antes ao agora. A Academia foi e é uma escola de excelência no conhecimento abarcante que só um modelo plural e integrado pode desenvolver, mas é também uma escola de afectos que tanto valoriza o serviço aos outros como o desabrochar da personalidade própria na comunidade educativa em que nos integramos. E a música, como um fim em si mesmo de valor inquestionável ou como parte de uma formação mais sólida, dá a este propósito um contributo indelével, sobretudo num mundo em mudança, por vezes em sobressalto, a precisar da cultura e da arte como valores perenes para uma sociedade mais justa e humana.
Para os membros da direcção desta Academia, é um grande privilégio poder servi-la, mas é também uma enorme responsabilidade dar continuidade a um projecto de cinco décadas repletas de êxitos dos seus alunos, o que implica, em cada momento, interpretar ou reinterpretar a missão que dá ideal e vida própria a esta escola.
Sabemos que um dos alicerces fundamentais desta obra é a entrega dedicada de todos os colaboradores a este projecto que deixa marcas e laços incontornáveis nos alunos e neles próprios e que tem merecido o apreço e o reconhecimento de tantos pais que nos confiaram os seus filhos.
Agradecemos empenhadamente a todos esses colaboradores actuais ou antigos que, com o seu profissionalismo, conhecimento, dedicação e amor, ajudaram a edificar e enriquecer esta Casa de que tanto nos orgulhamos.
E como Casa que é para os que nela começam ou que a ela querem voltar, para todos os que se sentem atraídos por este apelo que a todos nos une, a Academia tem as portas abertas para partilharmos o saber e o afecto. Sempre.
Direcção da AMSC
O modelo da Academia como
pioneiro de modernidade pedagógica
A fundação da Academia de Música de Santa Cecília, em 1964-65, integra-se no que podemos considerar o arranque de uma nova fase da institucionalização e expansão do ensino da Música em Portugal no decurso da década de 60.
Durante séculos, ao longo de todo o Antigo Regime, o ensino vocacional da Música fora assegurado fundamentalmente pelas escolas das grandes catedrais, como Évora, Lisboa ou Braga, e dos grandes conventos agostinhos, beneditinos, carmelitas, franciscanos ou paulistas. Em todos estes casos, tratava-se sobretudo de garantir a formação avançada de cantores e instrumentistas destinados ao serviço da liturgia e, na mesma óptica, de compositores capazes de assegurarem a produção contínua de novo repertório sacro para a rede de estabelecimentos eclesiásticos e monásticos. O ambiente contra-reformista rigoroso que dominava a vida cultural ibérica desde o segundo terço do século xvi limitava fortemente, em qualquer caso, as práticas musicais laicas na esfera erudita e excluía, por isso mesmo, a necessidade de uma formação musical orientada para os géneros de Música secular que se desenvolviam para lá dos Pirinéus.
Quando, a partir das primeiras décadas do século xviii, se foi enraizando um circuito de intensa prática musical profana no quadro dos novos hábitos de sociabilidade doméstica chegados da França iluminista, a aprendizagem da Música – como, em paralelo, a da Dança – passou a ser considerada como um requisito indispensável da afirmação de um estatuto de distinção por parte dos meninos e meninas de boa família de Lisboa, e, ainda que em menor grau, do Porto e das restantes cidades mais relevantes do Reino. Emergiu assim gradualmente uma vasta rede informal de ensino musical ao domicílio, assegurada em particular por frades que tinham estudado Música nos seus conventos e que iam a casa das famílias endinheiradas para dar aulas a estes jovens alunos das classes média e alta, cruzando-se, nesse contexto, com os petits maîtres de Dança parisienses e os professores de francês. Para a pequena-burguesia que não podia permitir-se esse luxo, a Gazeta de Lisboa publicava anúncios de escolas a que os pais podiam levar os filhos para um ensino menos individualizado. Em qualquer dos casos procurava-se apenas ensinar os rudimentos da Teoria Musical e as bases técnicas elementares da prática do canto ou dos instrumentos, quer harmónicos (o cravo e mais tarde o pianoforte, a viola ou a guitarra inglesa), quer melódicos (a flauta ou o violino).
O ensino da Música a um nível mais avançado continuava, assim, restrito aos estabelecimentos da Igreja, mas agora, nesse quadro, com um claro predomínio do Seminário da Patriarcal de Lisboa, fundado em 1713 por D. João V. Tratava-se de uma escola moldada segundo o paradigma dos grandes conservatórios eclesiásticos italianos, cujo corpo docente era em grande parte recrutado entre os virtuoses vocais e instrumentais contratados em Itália para o serviço da Capela Real, e cujos alunos mais distintos eram até por vezes enviados para aquele país para aí completarem a sua formação – para Roma no reinado do Rei Magnânimo (Francisco António de Almeida, João Rodrigues Esteves, António Teixeira), para Nápoles no do seu filho, D. José (João de Sousa Carvalho, Jerónimo e Brás Francisco de Lima).
Com a implantação definitiva da Monarquia Constitucional, em 1834, João Domingos Bomtempo, liberal convicto que emigrara para França no início do século e fizera uma brilhante carreira como pianista e compositor entre Paris e Londres, foi a escolha natural para presidir à implantação de um novo modelo pedagógico-musical, fortemente inspirado pelo Conservatoire de Paris e orientado prioritariamente para os géneros musicais profanos. Em 1835 era assim extinto o velhoSeminário da Patriarcal e as suas atribuições eram transferidas para um Conservatório de Música criado em sua substituição na Casa Pia de Lisboa, com Bomtempo como Director, sendo logo no ano seguinte a nova instituição escolar integrada, com a designação de Escola de Música, no Conservatório Geral de Arte Dramática, dirigido por Almeida Garrett e com Bomtempo como Sub-Director.
Este projecto de formação artística de carácter laico e moderno, imbuído de uma estética cosmopolita romântica para as Artes do Espectáculo partilhada tanto por Bomtempo como por Garrett, depressa enfrentou enormes dificuldades na sua implementação. Os sucessivos governos liberais tenderam a impor à nova escola restrições orçamentais que a obrigaram a amputações curriculares radicais, eliminando, quer as disciplinas de formação cultural geral, quer inclusive os níveis de formação musical especializada mais avançados. O Conservatório era, na prática, visto como uma escola de natureza oficinal destinada a produzir em pouco tempo e a baixo custo instrumentistas para as orquestras da Ópera, dos teatros e dos salões de Dança. Por outro lado, a nacionalização dos bens da Igreja e a extinção das congregações religiosas tinham levado ao encerramento dos antigos centros de formação musical dos principais conventos e sés de todo o País. À escala nacional, o nosso ensino da Música dependia assim, quase exclusivamente, de uma rede informal de ensino doméstico ou das pequenas escolas elementares associadas ao novo circuito das bandas de Música que iam emergindo por todo o lado em ritmo crescente desde meados do século. Era, mais uma vez, uma aprendizagem básica e de curta duração, que não podia assegurar uma formação verdadeiramente profissionalizante, comparável ao das grandes escolas europeias.
A saída de alguns jovens músicos portugueses para estudarem no estrangeiro, como Augusto Machado, Viana da Mota, Moreira de Sá, Hernâni Torres ou Óscar da Silva, entre outros, a partir das décadas de 1860 e 70, foi reforçando na comunidade musical portuguesa a consciência da necessidade de um sistema de formação alternativo mais sólido e mais aprofundado, inspirado agora sobretudo no modelo estabelecido por Mendelssohn e Schumann no Conservatório de Leipzig. A criação, em 1884, da Real Academia de Amadores de Música de Lisboa constituiu, de certo modo, uma primeira tentativa nesse sentido, muito embora a fragilidade financeira desta iniciativa oriunda exclusivamente da sociedade civil a impedisse de corresponder plenamente às intenções mais ambiciosas da sua fundação.
Seria preciso esperar pela implantação da República e pela sua aposta programática declarada na causa da Instrução Pública para os primeiros sinais de mudança neste domínio. Em 1917 a Câmara Municipal do Porto estabelecia o Conservatório de Música do Porto, dirigido por Bernardo Moreira de Sá, e o governo da República encarregava Viana da Mota de presidir a um ambiciosa reforma do Conservatório de Lisboa, à frente de uma comissão de peritos que integrava, designadamente, o jovem Luís de Freitas Branco. Viana da Mota e Freitas Branco haveriam de ser, dois anos mais tarde, nomeados Director e Sub-Director, respectivamente, do Conservatório, e começariam a aplicar um curriculum pedagógico ambicioso, que incluía, além de níveis avançados de formação musical especializada em várias áreas, disciplinas de Línguas e Cultura Geral. Era uma nova perspectiva do que deveria constituir a formação de um músico profissional, tanto no âmbito estrito técnico-musical como no plano cultural e humanístico.
Mais uma vez, contudo, esta abertura seria de pouca dura. Em 1936, o governo do Estado Novo impunha aos Conservatórios um novo curriculum pedagógico esvaziado de muitos dos aspectos mais avançados da reforma de Viana da Mota, considerados mesmo expressamente, no texto oficial que os eliminava, como «um luxo desnecessário». O sistema de ensino vocacional da Música em Portugal permaneceu deste modo, nas primeiras décadas da Ditadura, como uma realidade muito frágil, assente em modelos pedagógicos insuficientes e em boa parte obsoletos, para lá de se restringir quase por completo às duas escolas oficiais de Lisboa e Porto, apesar de alguns esforços generosos na esfera privada, como, por exemplo, o da criação em Coimbra, em 1929, de um Instituto de Música cujos promotores incluíam o jovem Fernando Lopes Graça, ou o do estabelecimento, em 1946, da Academia de Música da Madeira, no Funchal.
Duas iniciativas pioneiras que haveriam de ter consequências relevantes neste campo foram a criação da Fundação Musical dos Amigos das Crianças (1953), em Lisboa, por Adriana de Vecchi, e da Academia de Música de Santa Maria (1955), em Vila da Feira, por Gilberta Paiva, criando precedentes relevantes para uma vontade de modernização, expansão e regionalização da rede de ensino musical que manifestamente se começava a sentir na sociedade portuguesa. Este objectivo, contudo, implicava a disponibilidade de um maior número de docentes devidamente preparados, e isso só começaria a surgir numa escala adequada com o arranque, em 1956, da Fundação Calouste Gulbenkian e da sua intervenção decidida no plano do ensino da Música, no quadro de um projecto de investimento no sistema educativo português que viria a ter consequências verdadeiramente revolucionárias no panorama cultural do País em todos os campos. A Gulbenkian não só assumiu integralmente os custos de construção e equipamento dos novos Conservatórios Regionais de Aveiro (1960) e Braga (1961) – o primeiro dos quais dirigido, mais uma vez, por Gilberta Paiva – como prestou um apoio significativo à criação e funcionamento dos de Coimbra e Covilhã (1961) e de Ponta Delgada (1965), mas sobretudo lançou um programa de bolsas de estudo para aperfeiçoamento artístico musical no estrangeiro que logo ao fim de poucos anos tinha viabilizado a formação avançada de um bom número de jovens músicos disponíveis para assegurarem a cobertura docente desta nova rede crescente de escolas.
A Academia de Música de Santa Cecília beneficiou claramente, desde a sua formação, desta nova leva de jovens professores que tinham sido bolseiros ou colaboradores próximos da Fundação e nessa qualidade traziam novos olhares e novas metodologias para o ensino da Música, como Melina Rebelo, José Manuel Beirão, Francisco Brito e Cunha, Ana Maria Ferrão, Constança Capdeville, Janine Moura, Armando Santiago ou Gil Miranda, por exemplo, a par com figuras distintas da vida artística portuguesa, como Anna Mascolo, Vasco Barbosa ou Sequeira Costa. O facto de o Conservatório Nacional continuar preso a um modelo pedagógico anquilosado e de, para mais, ter o seu quadro docente fechado a novas contratações fazia da Academia, com a sua nova dinâmica, uma escolha muito atraente para estes jovens intérpretes e professores, garantindo à escola uma base extremamente qualificada para o seu projecto artístico.
Mas a Academia não se limitava a ser mais uma escola de Música, apenas com a particularidade de dispor de um corpo docente singularmente jovem e bem preparado, e de apostar de forma clara, nesse campo, designadamente, em actividades quase inexistentes na tradição do Conservatório, como a orquestra, o coro ou os conjuntos de câmara. A visão da sua fundadora, Vera Franco Nogueira, distinguia-se também – e porventura até sobretudo – por uma vontade assumida e profundamente inovadora de integrar o estudo da Música e o curriculum pedagógico geral como num percurso formativo único para os seus alunos. Pretendia-se que todos os alunos da escola, mesmo aqueles que não pensavam seguir uma via vocacional na Música, beneficiassem, pelo menos, de algum tipo de iniciação musical e de um conjunto de iniciativas de oferta artística que fizesse desta Arte uma componente natural do seu quotidiano e do seu universo de referências e vivências culturais. E pretendia-se, por outro lado, que os alunos vocacionados para uma formação especializada como músicos pudessem incorporar essa aprendizagem artística, de forma igualmente harmónica, na sequência curricular normal de qualquer estudante, sem se verem obrigados ao esforço e às dificuldades logísticas da frequência de escolas diferentes para esse efeito.
A importância desta abordagem integrada, que hoje nos pode parecer óbvia, estava longe de ser então unânime. Havia quem temesse que a inclusão da Música no curriculum desviasse excessivamente a concentração dos alunos nas matérias de estudo tradicionais – a História, o Português, a Matemática, as Ciências – e prejudicasse por isso o seu aproveitamento escolar global. E num período em que os requisitos académicos gerais dos programas oficiais do Conservatório continuavam a ser apenas a Instrução Primária e o segundo ano do Secundário em Português e Francês, considerados como suficientes para as necessidades práticas de um profissional da Música, temiam outros que os futuros músicos, absorvidos assim pelas necessidades de estudo nas matérias gerais, não tivessem tempo bastante para a prática técnico-musical. A Academia era claramente uma experiência pioneira, a que muitos auguravam um duplo insucesso – nos resultados académicos gerais como no aproveitamento musical.
Enganaram-se, porém, os cépticos, porque a Academia depressa provou que os seus alunos ombreavam com os melhores das demais escolas, tanto nos exames oficiais gerais do Secundário como nas provas musicais formais perante os júris do Conservatório. A cultura musical enriquecia, manifestamente, a formação humanística global do aluno, e por sua vez essa formação cultural mais aprofundada em nada sacrificava o progresso artístico específico dos futuros músicos profissionais. Pelo contrário, as duas vertentes estimulavam-se uma à outra e constituíam assim um projecto pedagógico único e exemplar.
Isso mesmo foi entendido em 1970 quando, no quadro da chamada «reforma democrática do ensino» promovida pelo Ministro Veiga Simão, em plena «Primavera Marcelista», o modelo da Academia foi considerado o paradigma do que deveria ser o novo Liceu Artístico, em cujo curriculum algumas das disciplinas formativas tradicionais, como o Desenho e as Ciências Naturais, eram substituídas pelas de formação musical vocacional, valorizadas deste modo como matérias educativas fundamentais e não como meros complementos artísticos de segundo plano. O novo modelo seria o resultado do trabalho conjunto das equipas pedagógicas do Ministério com a Comissão Organizadora da Reforma do Ensino Artístico, presidida por Madalena de Azeredo Perdigão, entre cujos colaboradores estavam personalidades artísticas distintas como João de Freitas Branco, Constança Capdeville, Arquimedes Silva Santos, Luzia Maria Martins ou José Sasportes – muitas delas, significativamente, oriundas dos sectores intelectuais da Oposição Democrática. O 25 de Abril veio interromper este regime de Experiência Pedagógica antes de concluída a sua implementação, mas o exemplo de integração curricular da Academia continuou a constituir, nas décadas seguintes, uma referência fundamental e um estudo de caso de sucesso incontestado para todos os projectos de reestruturação pedagógica que desde então assentaram no princípio da integração das componentes musical e curricular geral.
Da modernidade pedagógica do projecto escolar da Academia diz bem o debate que hoje se trava em muitos dos países ocidentais entre a insistência num curriculum excessivamente centrado nos chamados «saberes úteis» e a abertura à formação artística como pilar educativo indispensável. Os defensores da primeira opção construíram uma poderosa ofensiva em defesa do chamado stem (sigla contruída a partir das iniciais de Science, Technology, Engineering e Mathematics), considerando que só estes campos de estudo deveriam contar para o núcleo duro da formação educativa (daí o duplo sentido nada inocente da sigla escolhida, que se pode ler também em inglês como «stem», ou seja, «caule» ou «tronco»), por serem, supostamente, os únicos que preparariam o aluno para os desafios concretos da vida profissional prática e garantiriam enquanto tal a sua empregabilidade à saída da escola. Em alguns sistemas escolares, como por exemplo em certos estados norte-americanos ou mais recentemente no Japão, esta opção tem levado mesmo a cortes significativos no financiamento público ao ensino das Artes no curriculum geral, exemplo que tem, por sinal, vindo a ser seguido nos últimos anos pela Administração Pública portuguesa. Estudar Arte seria – como afinal já nos dizia o Estado Novo – um «luxo» que o erário público não teria obrigação de financiar, e um «hobby» da responsabilidade individual dos próprios beneficiários.
Contra esta postura se tem vindo a erguer uma corrente oposta, que adopta, significativamente, a designação de steam (acrescentando o «A» de Arts à sigla anterior e produzindo assim, do mesmo modo, um duplo sentido propositado, dado que «steam» significaria «vapor», e portanto sugeriria a criação de energia e de dinâmica). Os seus proponentes sublinham o facto de o ensino artístico desenvolver com especial eficácia as funções intelectuais que as modernas Neurociências revelam estarem residentes no lado esquerdo do cérebro – a criatividade, a originalidade, a associação não linear, a inovação, a resistência à rotina, ou seja tudo aquilo que é decisivo numa Economia globalizada em que só uma produção criativa, original e inovadora pode gerar mais-valias que lhe assegurem uma vantagem competitiva no mercado mundial. Muito mais importante do que a aprendizagem de fórmulas de autoridade e de soluções repetitivas seria habilitar o aluno a identificar, no seu futuro quadro de exercício profissional, novos problemas e a inventar para eles novas respostas. Para lá do facto de a prática artística incentivar comportamentos cívicos cada vez mais indispensáveis na vida numa sociedade democrática e no próprio local de emprego: a autodisciplina, a capacidade de interacção com os demais parceiros envolvidos num mesmo projecto, o espírito de equipa, a motivação para a produção de um resultado final de excelência. É nesta óptica que, por exemplo, uma das mais prestigiadas escolas de Ciências e Tecnologias do mundo, o Massachussets Institute of Technology, de Boston, exige a todos os seus diplomados, nas mais variadas áreas de ponta da investigação científica, que pelo menos um quarto do seu curriculum escolar seja feito no âmbito das Artes e Humanidades.
Nesta óptica, o modelo da Academia surge no quadro do sistema educativo português como uma experiência pioneira cujas provas dadas ao longo do seu meio século de existência são absolutamente incontestáveis e se traduzem, não só no sistemático posicionamento da escola no topo dos rankings escolares nacionais, como sobretudo numa formação integrada graças à qual sucessivas gerações de alunos têm vindo a produzir profissionais de excelências nos mais variados campos, dentro e fora das Artes. E o segredo desse sucesso estará talvez na forma inteligente como soube sempre proceder à integração curricular da Música e dos demais campos de estudo, respeitando, no entanto, a natureza específica de cada uma destas áreas e os seus ritmos próprios de aprendizagem e de progressão.
Entrando agora no seu segundo meio século, dotada de novas instalações e de um corpo docente sempre renovado mas fiel ao espírito contínuo da escola, a Academia de Música de Santa Cecília continuará por certo a ser a referência que desde cedo demonstrou constituir – uma referência de excelência, de modernidade, de interdisciplinaridade e de um espírito de missão de quem acredita na nobreza essencial do acto de ensinar.
Rui Vieira Nery