Há muito que o Oriente fascina Adalberto Alves. O Oriente ou os Orientes!
Não é de admirar, pois, que mais cedo ou mais tarde se desse o seu encontro profundo com a poesia japonesa.
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Esta obra, intitulada «O Passo da Montanha», contendo cento e muitos haikus (ou poemas influenciados pela poesia haiku) revela-nos a concretização desse encontro.
É o poeta que nos confessa como o Oriente faz parte de si mesmo e da sua vida:
ah bambu, ah palmeira,
deuses dos meus sonhos,
assombrações da vida.
A forma poética designada «haiku» ou «haikai», tradicionalmente usada pelos japoneses, tem conquistado, progressivamente, o interesse dos ocidentais.
O haiku, apesar da sua brevidade e concisão, abre-se num leque de sugestões que permitem dar asas à imaginação e transportar-nos para variados horizontes. Ele tem o poder de provocar no leitor uma intensa emoção ou uma súbita surpresa.
A escrita do haiku é uma prática exemplar de depuração. Em três versos apenas (e, segundo as regras clássicas da poesia japonesa em 17 sílabas) o poeta deve expressar o que pretende transmitir por palavras simples e num estilo despretencioso.
Inicialmente, o haiku expressava a íntima ligação do poeta à Natureza mas, a pouco e pouco, foi englobando outros temas e outros sentimentos.
Todavia, a Natureza continua a ser a presença mais forte nesta forma poética.
Muitos haikus têm a sua origem no breve instante em que a vitalidade da Natureza impressionou o poeta, atingindo-o profundamente.
Nos haikus de Adalberto Alves, encontramos temas variados, mas a Natureza ocupa um lugar de relevo.
brilha o sol.
até o salgueiro chorão
sorri por entre lágrimas.
O poeta chega a reverenciar a Natureza como divindade:
ajoelho-me como em prece
dobrando-me no solo.
por ti, Divina Natureza.
Mas outros temas surgem à medida que penetramos n’«O Passo da Montanha».
O silêncio, a solidão, a morte, a vida, a compaixão, o passado, a saudade e muitos outros. Por vezes, embora raramente, aflora o humor:
inconformado,
o dente queixa-se
da grainha do figo.
É na solidão e no silêncio que o poeta de haiku é invadido pela presença da Natureza ou pela sua própria presença.
estou completamente só!
os meus versos são a casa.
fico a ouvir o que me dizem.
A procura da simplicidade e o gosto da solidão e do silêncio revelam a influência da filosofia Zen. Também a teoria do imutável-efémero, que está na base da doutrina estética de Matsuo Bashô, o grande mestre do haiku (1644-1694), é um contributo do pensamento budista.
Esta teoria ou modo de ver o mundo e a vida procede da consciência de que, para lá da vida e de todas as coisas, há algo de imutável que permanece através dos tempos. Nas mudanças, facilmente observáveis na Natureza, verifica-se que algo permanece ou se repete. Diz-nos o autor:
as ervinhas reverdecem
sob a tempestade inclemente.
o estio as secará com sua brasa.
Mas sabemos que, no rodar das estações, algo permanecerá.
Em outro haiku, podemos ler:
as cigarras não param.
serram a tarde com seu canto.
uma eternidade soa em mim.
Observando e sentindo a Natureza, o poeta apercebe-se do efémero e do mutável, apercebe-se da harmonia entre as leis que a regem.
O ideal de muitos poetas de haiku é atingir uma harmonia interior que seja reflexo da harmonia pressentida na Natureza.
Cada haiku é uma centelha. Mais brilhante ou mais discreto, mais intenso ou mais subtil, mais irradiante ou mais interiorizado, o haiku transporta sempre um fio de luz que, por breves instantes ou por longo tempo, ilumina quem o lê. O fascínio do haiku conquista cada vez mais adeptos e mais entusiastas pela prática ou pela leitura desta forma poética legada pelo Oriente.
Que o fulgor deste novo livro de Adalberto Alves ilumine os seus leitores!
Leonilda Alfarrobinha